domingo, 17 de outubro de 2010

Artigos - 11 de Outubro



ATORES NUS

A Igreja deve comentar fatos que afetam a sociedade no que tange à moral e à cidadania. Jornalistas, atores e advogados opinam. Também a Igreja o faz. A notícia de jornais do Recife, do dia 8 de setembro passado, falava de ator e atriz reprimidos pela polícia e de um tumulto que terminou por levar a atriz a um hospital. Estavam nus na rua para concluir as cenas de um filme. Diz o jornal que foram devidamente autorizados e atuavam sem biombos. Atrizes famosas também já posaram nuas e sem autorização. Não é novidade na nova moral do Brasil. Alguns podem e outros, não! Se for arte, pode!
Correto? Basta alguém em autoridade permitir para, por conseguinte um casal posar nu diante das casas, em plena rua? Se consultados, os moradores consentiriam? Têm os moradores o direito de opinar ou não? Por acaso os das artes e da mídia têm mais direito do que os demais cidadãos? E onde está escrito na Constituição que, com licença de autoridades, alguém pode ficar nu, ou expor-se em trajes menores nas avenidas? É possível delegar tal poder a uma ou duas pessoas, que decidem passando por cima das duas mil que moram naquela rua e, lá, criam filhos? Decência, que não é determinada por voto ou por multidão, pode ser determinada por uma ou duas pessoas?
Ficar nu na rua sem motivo é proibido, mas, se for para um filme, é permitido? Vale tudo pela arte? Não teriam que isolar a cena com biombos? Que liberdade é essa que permite um diretor de filmes e artistas fazer algo contra a opinião de toda uma rua? Quem tem um texto como pretexto pode?
E, por acaso, tecer estas reflexões é coisa de retrógrado? Por que não seria retrógrado quem passa por cima de uma comunidade e impõe sua moral a respeito do corpo? Andam criticando padres e pastores por imporem a moral cristã à sociedade, mas não estão eles impondo a própria, e de maneira mais acintosa?
Ou aquilo tudo foi jogo de cena para divulgar o filme e vendê-lo antes de concluí-lo? Não é o que faz um tipo de marketing? Recentemente um cidadão com sinais de alcoolismo ficou nu diante dar um templo. A policia o prendeu. Se alguém viesse alguém atrás dele com carro de filmagem e ele mostrasse um papel, o acinte seria menor? Se há limites para a repressão, não haverá para as artes e para os religiosos quando vão às ruas? Pode-se queimar os livros dos outros e chutar as imagens alheias em público? Se não pode, por que se permite que alguém desafie costumes que são caros a uma comunidade? Perguntas, perguntas, perguntas!


AS NOVAS DITOCRACIAS

Os povos nem sempre escolhem e, muitas vezes, quando escolhem acabam escolhendo errado. Existem democracias plenas, democracias insuficientes, ditaduras e ditocracias. Nas democracias plenas todo mundo pode falar, mas as instituições são suficientemente fortes para se enfrentarem e chegarem a um equilíbrio. Nas democracias frágeis, grupos de poder político ou de poder econômico, acabam impondo sua vontade e fazendo o povo crer que escolheu, quando, na verdade, dançou ante o poder imenso de marketing e de mídia dos grupos de poder.

Nas ditaduras não há nem conversa; não se vota, não se elege e o povo tem que aceitar a decisão dos poucos que se apoderaram do poder. As modernas ditocracias entendem que há que haver o mínimo de democracia para um país se sentir motivado, mas há que haver um certo controle para que, o que foi feito não seja desfeito pela próxima gestão. Então, aparece a figura do ditador democrata; permite eleições e até as manipula; permite certa liberdade, mas não o direito de o outro grupo voltar ao poder. Se o poder for trocado de mãos, que o seja para alguém de linha semelhante de pensamento.

Nesses países, duas direitas podem se suceder, duas esquerdas podem se suceder, mas se a esquerda estiver no poder, impedirá por todos os meios que a direita volte e, se a direita governar, fará de tudo para que a esquerda não vença. Isso explica porque, em umas democracias latino-americanas, optou-se pela ditocracia. Não dá para dizer que esses líderes são ditadores plenos, mas também não dá para dizer que são plenamente democratas. Resta ver o que o povo quer. O povo muito provavelmente votará com o estômago e com algum dinheirinho na conta. Se o novo governo lhe deu condições de acesso ao alimento e algum dinheiro na conta, esse governo será indefinidamente reeleito, porque o povo sempre acreditará que, depois disso, virá a casa, escola e mais oportunidade. O mínimo dos mínimos este governo lhe deu.

Na verdade a América Latina está vivendo essa experiência do mínimo dos mínimos e os governos que finalmente o patrocinaram têm mais chance do que aqueles que nem este mínimo necessário conseguiram fazer. As elites acabam se curvando ao fato de que tem para elas e tem para os pobres e até se tornam disponíveis e dispostas a colaborar. Chamemos a elas de democracias fortes ou de ditaduras suaves ou ainda ditocracias, algumas delas fundamentadas num só homem, outras numa linha de trabalho e de pensamento como parece ser a do Brasil. Com elites mais estruturadas e mais organizadas, como escola que embora falha têm dado cérebros ao país e com sindicalistas e trabalhadores que percebem a vantagem do diálogo, o Brasil consegue remar apesar dos partidos pouco sólidos.

Boa parte da população prefere que haja congresso, câmara e eleições. Estamos vacinados contra salvadores da pátria e ditadores, mas estamos, também, vacinados contra partidos pusilânimes, interesseiros e corruptos. O Brasil pode até dar certo e chegar à democracia sem cair na ditocracia, coisa que parece não ter acontecido com nossos vizinhos. Isto, a menos que algum aventureiro tente o caminho do PRI mexicano. Melhor é dialogar. Quanto ao congresso e a câmara dos deputados, existem as urnas e é melhor que os mal acostumados ao poder comecem a ter medo delas. São milhões os que não querem voltar ao ontem, mas não querem, também, embarcar em qualquer futuro. De repente, o Brasil pode até dar certo muito mais cedo do que imaginávamos. Isto, se superarmos a cultura dos conchavos!


COM CHAVEZ E CONCHAVOS

Falar de política no Brasil é falar do momento. Os ferrenhos adversários de ontem de repente podem ser os grandes aliados de hoje. Uma coisa é costurar uniões e outra, alinhavar sem profundidade e sem fidelidade conchavos que quase sempre ignoram o sentir do povo.

À pergunta sobre se o Brasil está cansado de alinhavos e conchavos se responde com um sonoro sim. O Brasil quer uma democracia mais forte, mais transparente e, já que inventou a urna eletrônica onde, num só dia, tudo é decidido, somado e computado, cabe ao Brasil criar também dispositivos rápidos e ágeis de livrar-se desses parasitas do poder que se agarram a partidos nos quais não acreditam e pregam uma democracia na qual também não acreditam.

O Brasil do “leve vantagem com você também” parece estar mudando. As eleições ainda nos assustam pelo tipo de candidatos que os partidos nos apresentam, mas aí depende do povo rejeitá-los. Viajei o suficiente para saber que o povo simples não vai votar só por causa do bolsa-família ou de cestas básicas. Isto vai contar na hora do voto, mas não é isto o que vai decidir. O que o povo quer é uma continuidade de ações que favoreçam o avô, o pai, a mãe e os filhos; vale dizer: água, luz, alimento, escola e chance de emprego. Os governos estaduais que conseguiram melhorar isso têm muito mais confiabilidade e muito mais chance de permanecer no poder. Só a cantilena de oposição parece não convencer mais o povo, da mesma forma que as promessas de mudanças também não convencem.

Ele quer saber se o governo atual fez alguma coisa; se fez está disposto a lhe dar mais uma chance; se não fez, vai certamente buscar uma nova possibilidade. Portanto, quem está no governo, trate de dar o mínimo necessário ao povo e fugir dos conchavos, porque os conchavos sugam o que seria o mínimo necessário do povo. Não há oposição que possa a vida inteira boicotar um governo. Ela acaba caindo descrédito e o seu discurso se tornara enfadonho. Quem pensa que o povo gosta de governo ou de oposição está enganado. O povo gosta é de ações concretas e ele já descobriu que conversa de oposição é conversa; promessa de futuro governo é promessa.

Hoje o povo faz as contas e vota de maneira pragmática; não vota em quem promete mais, nem em quem grita mais. Olha para a estrada que está chegando a sua cidade, para a água, a luz, o esgoto e para a escolinha dos seus filhos; olha para a geladeira, para a dispensa e sabe se alguma coisa melhorou ou piorou e, então, ele vai e vota. Ao que tudo indica a política está deixando de ser discurso. Eles dão risada dos discursos altissonantes dos eternos candidatos de ontem, auto-exaltações de políticos empoleirados no poder há séculos. Mas está cada dia mais claro que é preciso enquadrar os partidos, para que não permitam mais em suas fileiras os canastrões, os picaretas e os eternos aventureiros e aproveitadores. Afinal, votamos em quem os partidos indicam e, se eles indicam tais candidatos ruins, não esperem merecer respeito. O país continua precisado de uma verdadeira reforma partidária. Quem não a quer são as velhas raposas!


MANIPULADORES DA VERDADE

Melhor é não citar nomes, mas o leitor talvez os conheça. Na febre de provar que estavam certos não foram um nem dois nem dez cientistas que manipularam números, fatos e entrevistas. Mais tarde, cientistas sérios os desautorizaram provando que haviam deturpado alguns dados para receberem prêmios, vender livros ou disseminar suas teses. Foi vergonhoso para eles e para a ciência. História, sexualidade, genética e psicologia perderam com isso, porque os dados falsificados não foram detectados nem corrigidos em tempo. A vaidade venceu o pesquisador. Eles sabiam que estavam apressando suas conclusões. Laboratórios fizeram o mesmo com graves consequências para os pacientes. A fórmula não fora suficientemente testada. A talidomida foi apenas um dos muitos nebulosos casos de fármacos vendidos sem os devidos estudos.

Também não foram um, nem dois, nem dez religiosos que na ânsia de fazer adeptos, deturparam a Bíblia ou descreveram visões que não aconteceram e mensagens que nunca receberam do céu. Mentiam e sabiam que mentiam. Mesmo assim usaram o nome de Deus em vão. Deus nunca lhes disse o que disseram que Deus lhes havia dito. Mas arrebanharam milhões de fiéis com sua manipulação de mensagens e de milagres.

Famosa é a frase de Jeremias, 650 anos antes de Cristo. (Jr 14,14) E disse-me o SENHOR: Os profetas profetizam falsamente no meu nome; nunca os enviei, nem lhes dei ordem, nem lhes falei; visão falsa, e adivinhação, e vaidade, e o engano do seu coração são o que eles vos profetizam. Jesus também alerta contra eles em Mateus 24,24-26 Surgirão falsos cristos e falsos profetas, e farão tão grandes sinais e prodígios que, se possível fora, enganariam até os escolhidos. Estou avisando de antemão. Portanto, se vos disserem: Eis que ele está no deserto, não saiais. Eis que ele está no interior da casa; não acrediteis (Mt 24, 24)

Religião, mercado, pregação, marketing estão sujeitos a indivíduos. Os sérios dão credibilidade aos fatos e se limitam a eles. Os ávidos por sucesso, dinheiro ou vitória não hesitam em mentir e deturpar. Hesíodo, cerca de 800 a.C, Jeremias 650 a.C., o próprio Cristo, Paulo, Pedro alertam contra este perigo.

Ninguém de nós está livre da tentação de mudar os fatos para que nossas teorias vençam, ou para que vença a nossa fé e a nossa Igreja. Alguns até o fazem com sinceridade. Realmente não conheciam os detalhes. Mas há aqueles que Jesus chama de abutres (Mt 24,28) trabalham com a carcaça da verdade! Matam-na e trabalham com o cadáver da verdade assassinada.


UM POUCO MAIS DE ASCESE

Por ascese entende-se subida. Vem do verbo latino ascendere : subir, elevar-se. Daí, as palavras ascensor, ascensão. Em linguagem religiosa subentende a busca de valores mais elevados, abandono do materialismo, do individualismo, da busca desenfreada de coisas, bens, dinheiro, fama, conforto, acúmulos. O asceta vive do suficiente, às vezes até na penúria, sempre por escolha pessoal. Sua vida é cada dia menos “eu” e cada vez mais “Deus e o povo.” Por causa das pessoas, sua pessoa se torna cada vez menos saliente. Nunca se põe em primeiro, não busca a preeminência, não cultiva marketing pessoal, aparece o menos possível, é simples, não persegue bens ou riquezas, tem vida frugal, aceita o desconforto, não acumula, nada do que tem é seu e , se tem, coloca a serviço dos outros.
O contrário do asceta é o sujeito maciota, o mauricinho ou o maurição. Super bem produzido, evidente, sonha caro, cobra caro, viaja de primeira classe, vai e vem de jatinho, melhores marcas, melhores carros, melhores perfumes, melhores países, melhores restaurantes, melhores academias, melhores vinhos, melhores roupas, melhores lugares, muito...muito dinheiro e tudo de bem-bom e, se possível, o melhor do melhor. Ele acha que merece! Renúncia, partilha, ascese não são para ele. Não nasceu para poder ter e escolher não ter. Se puder ter, vai ter. Seu argumento é que, se ninguém aspirasse a ter mais e ser mais, o mundo ainda estaria na idade da pedra.
De conseqüência, Jesus, Paulo, Agostinho, Jerônimo, Thomás de Aquino, Francisco e Clara, milhões de sábios, estudiosos, monges e ascetas não valem como atores do progresso... Religiosos de ontem e de hoje que enveredam pela não ascese correm o risco do ter mais para ser mais e até conseguem, porque o mundo admira quem cresce, enriquece e aparece. Mas há sempre um depois que dinheiro não compra.
Na era da imagem, a visibilidade é fundamental. E visibilidade supõe um tipo de ascensão que inclui muito dinheiro e muito poder. Bacanas não almoçam nem jantam com marmotas... Tem que ter status para transitar em altas rodas. E, para transitar em altas rodas, o discurso tem que ser o do empreendedor-vencedor. Na era da comunicação imediata, os lentos e os devagar não contam. Monges e ascetas servem para momentos de espiritualidade, mas que sejam apenas momentos... Um piquenique espiritual de vez em quando vai bem, como férias num SPA!... Mas isso de viver partilhando, servindo, buscando o essencial, é para uns poucos. O mundo precisa de quem cria, gera empregos e movimenta a economia. Ascetas e hippies servem como peça de museu, ou como bichos de zoológico! Bons de ver; nunca de se ter em casa! Não cabem mais!
A moderna pregação da teologia da prosperidade não poucas vezes passa por esta vertente. Este é o seu discurso: ter mais para levar mais Deus. Dizem que pobre não avança! Garantem que Deus nos quer empreendedores e ricos! Se, tanto pobreza quanto riqueza, ora escravizam e ora libertam, então eles escolhem a riqueza que liberta... Garantem que são mais felizes com muito dinheiro no banco do que quando não tinham nada. Ouça-os no rádio! Não disfarçam seu gosto por luxo e dinheiro. Até fazem piada contra quem escolheu ser pobre!
Seu discurso destoa do de Jesus. Mas, pragmáticos como são, garantem que, se Jesus vivesse hoje, não diria o que disse naqueles dias de aldeias e desemprego generalizado. Jesus criaria emprego e desejo de subir na vida. Estaria mais para capitalista caridoso do que para socialista irado que exige partilha à força.... E talvez estejam certos. Jesus não seria ditador de esquerda nem de direita. Mas reduzem-no a teórico da mais valia! Em resumo, aquele Jesus ainda é, mas aquele cristianismo já era!
Mas, atenção! Este é apenas o penúltimo capítulo desse tipo de púlpito. É de se ver o que acontecerá já nos começos do capítulo final. Nele, parece que é o asceta quem deixa pegadas!... Os caríssimos sapatos dos profetas do ter mais para ser mais, por sua insustentável leveza, apesar da exclusividade da marca, em geral não deixam marcas. As sandálias franciscanas são as que mais tempo duram...


Pe. Zezinho, scj

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