terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Entrevista dada em Natal dia 30 de dezembro de 2009

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Ser pobre para não esquecer as raízes


Pe. Zezinho fala dos caminhos trilhados por padres cantores e afirma: "Religião rima com opção."

O multifacetismo de padre Zezinho impressiona a carreira de qualquer artista. Na década de 60, introduziu a música na maneira de evangelizar. Logo ganhou notoriedade mundial. Conheceu 55 países. No Brasil, trouxe ritmos até então desconhecidos como o country e o reggae, para além da sacristia. Mas, sem desrespeitar as normas da liturgia, lá estavam guitarras elétricas na missa, para espanto e admiração de fiéis e da mídia. Suas canções se tornaram verdadeiros hinos da igreja católica: Amar como Jesus amou, Estou pensando em Deus, Maria de Nazaré, Maria da minha infância, Vocação, Um Certo Galileu, Utopia, Oração pela Família e centenas de outros hits. Poucos autores no mundo tiveram tantas canções de sucesso quanto ele.

São 45 anos de pregação. Afora uma discografia monumental - talvez a maior da música brasileira -, padre Zezinho escreveu mais de 80 livros, montou grupos teatrais e em 2010 filmará um média-metragem de 45 minutos “Meu Cristo Jovem” e talvez um longa filmado por ele mesmo. O título “Meu irmão Crê Diferente” é um dos livros que ele conclui após o lançamento de um de 600 páginas: “De volta ao Catolicismo”. Seu ecumenismo vem de longe, pois fez cursos numa Universidade Católica onde havia professores de várias religiões e também decorre das amizades de amigos e parentes em outras religiões. Granjeou respeito por sua postura de católico convicto, mas respeitoso durante décadas de sacerdócio. Outros religiosos vão aos seus shows sabendo que ouvirão um padre católico que faça claro, mas os trata como irmãos. "O mundo não aprendeu a discordar: parte para a briga em vez do diálogo. Nessa era de crasso individualismo e lideranças excessivamente centralizadoras, perdemos a noção do outro e do diálogo com o outro”-diz.

Aos 68 anos de idade e reconhecimento mundial, padre Zezinho se mostra ainda hoje uma pessoa despojada, humilde e moderna. Foge de holofotes e aparatos. Vê o marketing como um valor, mas condena seus exageros.

Desde os tempos em que formou grupos de reflexão durante o período da ditadura até a época de hoje, do culto às celebridades, o padre mantém a mesma linha mestra do evangelho, adaptado à época. O cachê cobrado gira em torno de R$ 8 mil a R$ 15 mil por show. Na última apresentação na capital potiguar, nas comemorações dos 100 anos da Diocese de Natal, cobrou R$ 25 mil. E trouxe oito músicos. Preço barato para uma celebridade.

"Quem aprendeu comigo não precisa ser religioso, tem que ser bom; tem de gostar de gente. Ainda colho os frutos hoje. Cantores populares, celebridades de hoje em dia ainda me ligam para agradecer a influência que pude dar. Poderia ser um deles: convites nunca faltaram. Mas prefiro andar sem aparatos de segurança, andar livremente e continuar sendo quem sou", afirma.

Aos 68 anos, padre Zezinho se mostra uma pessoa humilde e desprendida e atualizada




O senhor foi pioneiro na evangelização pela música no mundo. Depois de mais de 40 anos, o que mudou?

Digamos que fui um dos pioneiros. Naqueles trens de 140 vagões, fui umas das cinco locomotivas. Apareci mais porque não havia ninguém que fizesse esse tipo de comunicação em minha época. Comecei algo novo. Foi um risco; um acidente que deu certo.

Acredita que nada foi desvirtuado?

Deixa-me usar de uma expressão que todos entendam: a comunicação é como uma bússola: todas apontam para o Norte, mas cada qual faz os eu caminho. Então, o indivíduo revela quem ele é pela comunicação que faz. A igreja não ordena tijolos. Ela ordena pessoas. Cada comunicador é diferente. As linhas mestras eu ensino no meu curso, que se chama “Prática e Crítica da Comunicação”.

As diferenças são até salutares, mas o desvirtuamento das diretrizes, não. Então, repito: nada foi desvirtuado?

Há jornalistas ousados que trabalham com seriedade, e há os apressados, que publicam qualquer notícia inverídica. Então, é preciso ter critérios: quem usa a notícia como serviço e quem a usa como interesse. A mesma coisa se dá com a religião. É preciso ver quem pratica a comunicação religiosa e quem a pratica com outros interesses. Isso acontece em todas as religiões. Já havia no tempo de Jesus. E é o indivíduo quem decide o rumo que quer tomar. São Paulo fala isso de uma maneira muito linda: "Temos um tesouro armazenado em vasos de barro". Nós somos frágeis perante a verdade. A verdade é maior que nós. Você, jornalista, sabe disso. Às vezes só conseguimos carregar uma parte da verdade e a oferecemos como se fosse tudo. É aí que está o perigo.

São Paulo é cheio de metáforas. O senhor parece gostar desse método, também...

São Paulo foi uma pessoa culta, inteligente; um comunicador fantástico.

A religião que mais cresce hoje seja talvez os "sem religião": aqueles que crêem em Deus, mas não segue preceitos religiosos. A que o senhor atribui isso?

Não acho que a frase corresponda aos fatos. Quem mais cresce são os muçulmanos e os crentes pentecostais não pelas mesmas razões. Mas as religiões sem nenhuma dúvida, afirmativas e garantidoras fazem mais adeptos. A maioria dos fiéis quer provas e se alguém as dá em forma de testemunhos ele adere, nem que o testemunho seja falso ou arranjado como é o caso de muitos. As novas religiões usam e abusam das estatísticas que não conferem. De repente 200 mil vira dois milhões... Ninguém vai lá contar ou conferir...Ninguém também vai lá conferir o milagre. Exige-se pouco dos videntes de agora. Falam o que querem e ninguém os questiona! Isso, em todas as igrejas. Os fiéis estão cada dia mais crédulos quando deveriam estar cada dia mais crentes! Crente tem fé, mas checa e verifica. Não compra pasteis de vento como se fossem de queijo! ...

É a era do INDIVUALISMO?

Sim. A individualidade cedeu lugar ao individualismo. É indivíduo demais. É este é um dos maiores inimigos da religião e da política. É excesso de “eu” que dá origem a um Chaves, a um Morales e a qualquer outro que se perpetua no poder. Eles acham que sem eles não haverá progresso. O pregador absolutista acha que só ele sabe evangelizar. Se tiver que romper com alguém ele rompe para fazer o que acha que deve ser feito. Não há fidelidade a quem lhe deu as chances de ser quem é.

Vai mudar?

O mundo atravessa um surto de individualismo absurdo. Perdeu-se o gosto pelo coletivo. O “eu” está triunfando sobre o Nós. Isto leva ao aprisionamento dos outros em função da vitória pessoal. Aplicado na religião ou na arte, você tem o mito. Quando o mito vira ídolo, não se tem mais religião nem arte. As pessoas só ouvem ou apreciam aquele mito absoluto. Ai de quem questionar seu semideus! Fica proibido ser inteligente e fazer perguntas embaraçosas ao novo profeta, ao novo apóstolo ou ao novo semideus. A torcida não abre mão de seu atleta e diminui todos os outros. "Onde há Eu demais, há Deus de menos" vida de menos, comunidade de menos, país e nação de menos. É isto que acontece no mundo. Nos anos 40, um sujeito chamado Hitler virou ídolo e triunfou como semideus na Alemanha. E nós vimos no que deu!

Qual a necessidade da religião nos tempos de hoje? Por que o intermédio da religião para se chegar a Deus?

Joseph Campbell escreveu um clássico chamado “O Poder do Mito”. Karen Armstrong, escreveu “Uma História de Deus” - outro clássico. E eles põem o dedo na ferida. Dizem que eu não posso decidir sobre a minha felicidade sem ser relacional. O ser humano precisa da relação com a família, amizades, trabalho e de fé. Por isso, os dois ethos: consumo e divertimento, e produção e trabalho, nos tornam pessoas coletivas. Isso explica porque, na hora de crer, não dá para crer sozinho. Mais cedo ou mais tarde vai se precisar da experiência do outro: daquele que tem 80 anos, daquele que tem 28 anos, mas já viveu muito e daquele que foi lá no deserto orar, daquele que criou uma ONG motivado pela fé. A experiência de fé dos outros melhora a sua. A religião é essa experiência comunitária que enriquece a experiência pessoal. Não basta a comunidade, mas também não basta a fé sozinha. Minha cura e minha fé são partilhadas. Por isso escrevo, canto e aceito o ensinamento de outros. E nisso estão muitos que construíram grandes obras motivados pela fé: Irmã Dorothy, Dom Paulo Evaristo Arns, Papa Bento, João Paulo II, Francisco de Assis... A experiência deles é riquíssima.

Qualquer pessoa não poderia aceitar e admirar a vida que São Francisco levou sem precisar dos rituais religiosos para se chegar a Deus?

A religião começa pela admiração. Você admira Deus, admira a fé de outros e um dia você chega à encruzilhada: sigo o meu caminho ou sigo com eles? Não se pode ser religioso à força. Você é convidado a crer junto. O corão também não permite imposição. Muçulmanos que mata pela fé deve ser questionado. Cristão que mata pela Bíblia deve ser corrigido e punido. Religião rima com opção, mas também com compaixão.

As composições e livros escritos partem de quais visões e inspirações?

Sou multifacético. Conheço 55 países. Estudei fora. Falo seis línguas. E são 45 anos de pregação. Leio muito. Guardo tudo no computador da memória. Faço como Maria que guardava tudo no coração. Então, são muitos subsídios. Mas sou contemplativo. A pessoa pode ser contemplativa no mosteiro ou na cidade grande. Eu medito mais do que as pessoas percebem. Sou pensativo e pensador. Mas aprendo muito quando passo por entre as pessoas. Cada uma delas é um livro.

O senhor citou Maria. Porque ela é tão ausente da Bíblia?

Não é! A Bíblia tem um objetivo: contar a história de Jesus. Em Israel, as coisas eram contadas a partir de uma sociedade masculinizada. Mas, como da mãe judia, Maria é citada como autoridade sobre Jesus e às vezes, parceira dele. Maria esteve com ele do berço ao túmulo. Falou pouco mas estava presente o tempo todo.

O senhor deve ter tomado conhecimento da polêmica criada com o Padre Fábio a partir do valor do cachê cobrado. Qual sua opinião a respeito?

Sou suspeito para falar porque fui professor dele. Há 18 bispos e mais de 500 padres que passaram pelos meus cursos de Comunicação. E nós temos um trato: depois do curso não digo a eles o que devem fazer. Se quiserem conversar, conversamos, como qualquer professor universitário faz com seu aluno ou ex-aluno. .

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São 220 mil reais de cachê. Pelo que li, o senhor costuma cobrar menos de 10 mil, mesmo com mais de 40 anos de serviços prestados, um trabalho pioneiro e reconhecido no mundo. O senhor disse que respeita as opções e o caminho de cada um. Mas o senhor não acha que há uma linha racional a separar a celebridade do padre?

Outra vez prefiro dizer o que penso pessoalmente. E sempre o faço! Ponha por escrito esta frase para não corrermos o risco de sermos deturpados: “Há 45 anos tento não esquecer que sou filho de pai e mãe paralíticos. Se eu perder a noção de limite, desapego, moderação e pobreza, perderei a noção de mim mesmo.” Mas é práxis que vale para mim. Não posso querer que todos pensem como eu penso!


Fonte:
http://www.padrezezinhoscj.com/interna.php?arquivo=ok&flag_area=palavra&id_palavra=104



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2 comentários:

  1. Respostas sabias de quem sabe o que diz, porque diz e para quem diz!

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  2. ''Abençoa Senhor o nosso Pastor,abençoa Senhor este homem de Paz.E faz com que ele não canse jamais,e faz com que ele não canse jamais...''
    Pe.Zezinho,scj é muito ''dez''!!!

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