terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Artigos - 07 Dezembro

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CATOLICISMOS DIFERENTES

Sou sacerdote católico há 43 anos, estudo Prática e Crítica de Comunicação nas Igrejas há 40 anos e constato que estamos fraternalmente divergindo quanto a determinadas práticas e doutrinas, por conta dos enfoques e acentos assumidos. As maneiras de expressar-se como católico estão cada dia mais divergentes e diversificadas. O que ouço e vejo me autoriza a dizer que, no papel, há um só catolicismo, mas na prática, hoje visível na mídia e em alguns lugares de devoção, há vários catolicismos. Alguns deles quase irreconhecíveis. Até na missa, que deveria ser sacramento da nossa unidade percebem-se as diferenças.

Se isto é bom ou mau, quem deve dizê-lo é o Papa e seus irmãos bispos a quem coadjuvamos o que, aliás, já foi dito em inúmeros documentos oficiais da Santa Sé e das Conferências Episcopais. Quem leu o Catecismo (CIC) e fez cursos de catequese sabe que os enfoques e acentos podem levar multidões numa direção que nem sempre casa com os documentos oficiais da nossa fé. Línguas, milagres, curas, maldições, anjos, santos, Maria, exorcismos, demônios, objetos de devoção, intercessão, vocabulários, missas, canções, revelações, aparições, pregadores e pregações, aceitação dos Concílios ou das Conferências Episcopais, unção, piedade, liturgia, pietismo, doutrinas sociais, abertura, fechamento, isolamento, proselitismo ao interno da Igreja, vidência, evidência... Tudo aponta para caminhos não exatamente iguais, não exatamente no mesmo trajeto, não exatamente coligados.

É como termos, todos, uma bússola que aponta para o Norte da fé católica que é Jesus e este crucificado, por nós imolado e ressuscitado, mas cada grupo traçar o seu caminho que nem sempre vai para lá em linha reta. Há práticas questionáveis e digas de interrogações e de reparos. Raramente um grupo ou uma linha aceita que o seu caminho seja digno de revisão e de reparo. O dos outros, sim! A correção fraterna nada me baixa na nossa Igreja. Temos facilidade em ver os desvios dos outros e dificuldade imensa em admitir os nossos.

Assista a uma celebração coletiva de católicos e observe quem se mistura e quem se isola. Percorra os templos e veja quem conduz a liturgia daquele dia. Preste atenção às letras dos cantos e verá quais os acentos escolhidos pelo grupo de cantores. Observe os trajes de sacerdotes e leigos e veja se eles ajudam o impedem o diálogo. Abra os manuais de devoção de cada grupo, leia as orações e veja quais os enfoques daqueles irmãos. Foi o que fiz e o que me levou a concluir que não acentuamos as mesmas verdades nem do mesmo jeito. Somos todos católicos, mas não oramos, nem cantamos, nem abordamos nem acentuamos os mesmos temas. Se é bom, o tempo o dirá. Os documentos já falaram. Leia os principais documentos sobre a Eucaristia, Liturgia e Catequese das últimas três décadas. Nem sempre foram obedecidos. Em alguns casos, visíveis na televisão, é como se nunca tivessem sido escritos!



CINQÜENTA PREGADORES MIDIÁTICOS

Tenho comigo as gravações em dez anos de 50 dos pregadores midiáticos que mais freqüentam a mídia no Brasil.

Aprende-se muito gravando o que os colegas pregadores das mais diversas igrejas, da nossa inclusive, dizem diante das câmeras. Registra-se o que foi dito ontem, o que é dito hoje, compara-se e percebe-se, o conteúdo, as técnicas de convencimento, as revelações, as doutrinas, as ousadias, as certezas absolutas e as garantias.

No dizer da mais recente dessas pregadoras: - O pregador da fé não deve explicação nenhuma ao mundo, porque sua autoridade vem do céu. Citou São Paulo dizendo que: a palavra da cruz é loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus. (1Cor1, 18) Foi adiante de lembrou que: a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus; pois está escrito: Ele apanha os sábios na sua própria astúcia. (I Cor 3,19) Mostrou que conhece Bíblia. Só lhe falta conhecer História da Religião, da qual a Bíblia faz parte.

O desfile de revelações, promessas, milagres, testemunhos, curas, intervenções divinas, transformações, a garantia dada por meninos ainda imberbes de que, enquanto eles jejuavam e oravam, o demônio caia, um câncer era extirpado, uma alma era libertada das garras de satanás... tudo isso impressiona.

Impressiona ainda mais ver que quem afirmava ontem que a pessoa que é de Jesus não fica enferma, não cai em depressão, o demônio não lhe traz nem câncer nem sofrimento, afirma hoje, depois que ficou enferma, que no caso dela, é uma provação.

Comparo o que eles diziam há dez anos e o que dizem agora. Mudou a doutrina? Jesus está ensinando o oposto? Ou são eles que à medida que lhes convém mudam o discurso, garantindo sempre que é Jesus quem lhe sopra o que dizem? Ontem o código de barra era da Nova Era e hoje é de Deus?

Como crer naquele pregador que dizia- e está gravado o que ele disse- que uma famosa amiga sua estava curada e ela morreu dois meses depois da doença da qual segundo ele ela fora totalmente curada? Como aceitar que ele garanta hoje que outra pessoa está sendo curada por sua prece? Não se lembra do alarde que fez e como foi desmentido pelos fatos? Ou não percebe que alguém pode ter gravado o que ele disse? Não há um “Procom” para as garantias comprovadamente falsas da fé?

Ensino “Prática e Crítica de Comunicação nas Igrejas” e constato que um dos maiores sofrimentos das Igrejas mais sérias é ver como se infiltraram nas suas fileiras, pregadores despreparados que sabem recitar os versículos, só não sabem relacioná-los. Abriram aquela página, mas não abriram outros nem outros livros. Adotam a teologia da roleta da fé, do olho fechado e do dedo que passeia pela página. Onde param é o que Deus quer eles parem... Parece a brincadeira infantil do “minha mãe mandou bater nessa daqui!”

Sabem prometer, só não sabem cumprir. Sabem garantir curas, só não se lembram que alguns pacientes voltaram e não estavam curados. Isso, eles não permitiram que fosse ao ar. Prejudicaria seu marketing de fé que sempre dá certo!

Quando a televisão se enche de prodígios, curas e milagres e quase não há mais espaço para pregadores que não viram, não ouviram, não receberam revelações particulares, nunca curaram alguém, mas que ensinam a crer mesmo sem ver nem constatar, as águas se dividem.

De um lado há os que vivem da fé e, do outro, os que vivem do prodígio, do toque, da constatação e do marketing. Fica pior, quando o pregador midiático que nunca ouviu, nem tocou, nem viu anjos do céu a voar sobe suas cabeças é acusado de não ter fé, nem unção e de ter pecado na alma e por isso é que não vê. Mas eles não explicam porque do lado de quem viu e tocou também há pecados igualmente cabeludos. É luta de anjos bons contra anjos maus, ou de fiéis que questionam e estudam contra quem diz que Jesus lhes diz tudo o que precisam saber?

Estamos de novo nos inícios o cristianismo quando havia milagres a rodo! Sim, os milagres e os demônios voltaram depois de terem feito muitos estragos na Idade Média. E voltaram os combatedores do demônio e defensores do povo de Deus. Não há demônio que lhes resista, inclusive o da unha encravada, da diarréia, e o da enxaqueca.

Mas, se voltaram aqueles dias de revelações e prodígios, é bom lembrar que voltaram também as pregações e os escritos apócrifos, os que compram seu espaço na mídia e oferecem muito dinheiro por um templo, uma gravadora, uma bênção e um destaque a mais. Simão o Mago também voltou, os filhos de Ceva também voltaram. Há operadores de prodígio e exorcistas por toda a parte. Haja demônio para tanto exorcista!

Havia apóstolos e santos nos primeiros dias. Mas havia também os impostores que agiam em plena luz do dia. Foi difícil distinguir quem era e quem não era do céu. Quem lê a Bíblia sabe o que Jeremias, Isaias, Jesus e os apóstolos pensavam a respeito desses profetas cheios de sinais e garantias.

Precisamos, como nunca, da virtude do discernimento. Naqueles microfones e câmeras há muitos que não são do ramo, como há pseudo-anestesistas que nunca estudaram medicina mudando corpos e rostos por polpudas contribuições.

Há os pregadores que estudaram anos a fio e levam a fé a sério. Sua vida mostra que não ficaram ricos com a sua pregação. E há os outros de quem Jesus fala em Marcos 12,40. Buscam tirar proveito da fé. Foi Jesus quem disse que o céu os puniria com mais rigor. Ele não os reconheceria no fui dos tempos. (Mt 7,21-22) E nós os conheceríamos pelos frutos.

Concluamos. Ou a mídia é toda ela mentirosa, quando mostra os excessos de algumas igrejas ou está tudo certo com o púlpito moderno e os pregadores são todos eles puros e inocentes. O leitor escolha!



AUTORES IMPERFEITOS DE OBRAS QUASE PERFEITAS

O título é longo, mas a realidade é de fácil entendimento. Passei um tempo admirando a Pietá, a Monalisa e o Davi. Vi pessoalmente e, depois, tornei a vê-las com mais detalhes, num vídeo que adquiri sobre obras monumentais e seus autores. As obras são maravilhosas, a vida, nem tanto!

De fato, são obras que resistem ao tempo. Como aqueles artistas Michelangelo Buonarotti e Leonardo da Vinci conseguiram fazer o que fizeram, temperamentais, cheios de caprichos, disputas, invejas e ressentimentos como eram? Aí entra a obra e o autor. O autor humano nem sempre dura mais do que a sua obra e tem manchas e rachaduras que assustam. Não, suas obras!

Deus existiu antes e durante e existirá depois do Universo, se este acabar. O ser perfeito fez uma obra imperfeita, e as faz, porque se fizesse alguma obra perfeita teria feito outro deus. Neste caso, ele não seria o Deus único, mas apenas o deus numero um. Cairíamos na concepção dos gregos, que em sua mitologia, faziam de Uranos o deus numero um, mas não o Deus único, nem o Todo Poderoso. Para os gregos o todo poderoso era Zeus, um dos descendentes de Urano. Entre os latinos o nome era Júpiter.

Para os hebreus, mais tarde, israelitas e, mais tarde, judeus, bem como para nós cristãos, só há um Deus. No nosso caso, dizemos que ele é um só, mas é três pessoas. Jesus é o Filho encarnado. Outras religiões nos confrontam e discordam de nós. Nós, deles. Mas um fato permanece: cremos no perfeito que criou o imperfeito este, com tendência a aperfeiçoar-se.

Já, o ser humano é o imperfeito e cheio de defeitos que consegue criar algo quase sem defeitos. Isso mostra nossas contradições. Paulo, o excelente pregador, fala dessa dor que, como carvão em brasa, doeu em Isaias e Jeremias e dói fundo em cada pregador: a dor a incoerência e do sentir-se aquém da sua missão. Assim diziam Isaias, Jeremias e Paulo:

E com a brasa tocou a minha boca, e disse: Eis que isto tocou os teus lábios; e a tua iniqüidade foi tirada, e expiado o teu pecado. (Isaías 6, 7)

Não faço o bem que quero, mas o mal que odeio... Não sou, pois eu que o faz, mas o pecado que me domina. Em minha carne não habita o bem, porque o querer o em está em mim, mas nem sempre me vejo capaz de realizá-lo. Assim, não acabo sem fazer o bem que deveria fazer, e fazendo o mal que não quero. (Cf . Rm 7, 14-19)

Assim veio a mim a palavra do SENHOR, dizendo: Antes que te formasse no ventre te conheci, e antes que saísses da madre, te santifiquei; às nações te dei por profeta. Então disse eu: Ah, Senhor DEUS! Eis que não sei falar; porque ainda sou um menino. Mas o SENHOR me disse: Não digas: Eu sou um menino; porque a todos a quem eu te enviar, irás; e tudo quanto te mandar, falarás. Jr 1,4-7

Na mística de todo pregador há que entrar esta realidade. Não somos o que pregamos. Falamos bonito, mas nem sempre vivemos bonito. Cabe aos fiéis saber a diferença entre o que ouvem e o que vêem e analisá-las. Abandonarão a fé por causa do pregador? Sua consciência o levará à decisão de ficar ou ir embora.

Jesus dá uma resposta ao dizer:

Na cadeira de Moisés estão assentados os escribas e fariseus. Todas as coisas, pois, que vos disserem que observeis, observai-as e fazei-as; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não fazem; pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem com o dedo querem movê-los; 5 E fazem todas as obras a fim de serem vistos pelos homens; pois trazem largos filactérios, e alargam as franjas das suas vestes, e amam os primeiros lugares nas ceias e as primeiras cadeiras nas sinagogas, e as saudações nas praças, e o serem chamados pelos homens; Rabi, Rabi.

O maior dentre vós será vosso servo. (Mt 23,2-11)

Pregadores que falam bonito, mas não vivem de maneira admirável são convidados à conversão. Seus ouvintes são chamados ao discernimento. Uma religião não pode se assentar sobre a pessoa do pregador. Ninguém é tão modelo de vida que possa fazer discípulos cegamente fiéis a ele. Bom pregador é o que ensina seus fiéis a falar abertamente quando discordam dele. Quando a jovem é mandada embora da comunidade porque ousou corrigir o líder que ensina uma doutrina errada, sabemos quem está errado. O que se considera inquestionável. Quem está acima da catequese está fora do catolicismo!



PERMITIDO PROIBIR

O perigo das frases feitas e dos slogans é que às vezes escondem tolices inomináveis; mais do que isso, tolices abomináveis. Dizia Dietrich Bonhoeffer, em seu livro Cartas da Prisão, que os tolos gostam de repetir frases feitas e não se obrigam a pensar sobre o que dizem. Referia-se ao nazismo e aos slogans daquele iníquo regime. Querendo escravizar as pessoas também escravizava o pensamento.
Há muitos anos atrás um grupo de jovens universitários discutia sobre as liberdades civis e comentava a canção “é proibido proibir”. Quando chegou a minha vez, eu disse que era proibido proibir, mas também era proibido permitir e permitido proibir. Filosoficamente essas três frases se sustentavam, a depender do que se proíbe e do que se permite. Como sempre, apareceram as vozes em defesa da liberdade total e a famosa frase de que ninguém tem o direito de proibir coisa alguma a quem quer que seja.
Perguntei se eram a favor da pedofilia no teatro, no cinema e na televisão; se eram a favor da divulgação de fórmulas de bombas caseiras; se concordavam com a tortura em qualquer país do mundo e em qualquer regime; se concordavam com a pregação mentirosa da religião; se o Governo devia permitir ou proibir a nudez nas praias; se achavam que o Governo deveria permitir o casamento para crianças de nove anos...
Só um dos rapazes foi radical. O grupo de vinte e três pessoas concordou unanimemente que em alguns casos não havia escolha, tinha que haver proibição. Caíram por terra as frases feitas. Propus a alguns deles, já que mexiam com música, que compusessem outra canção: “é permitido proibir” ou “é proibido permitir”. Assim as três canções poderiam ser cantadas, todas no seu devido tempo. A discussão foi longe e varou a madrugada.
Moral da história: “Não se constrói uma nação sadia onde é proibido proibir, onde, às vezes, não é permitido proibir e onde não é proibido permitir. Toda nação depende do sim e do não do jeito certo e na hora certa. Isto segura um país.


Pe. Zezinho, scj



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